"Entre Nós" | Sapato Apertado - Amanda Damásio

No "Entre Nós" dessa quinta, quero compartilhar com vocês um poema lindo que a querida Amanda Damásio me mostrou e me apaixonei! Esse poema foi ganhador do 2º lugar no Concurso Nacional de Contos e Poesias promovido pela FAFIMAN e vocês entenderão agora o motivo!

Boa leitura!

Sapato apertado

Entre outras coisas, um sapato apertado.

À medida que ia atravessando as ruas e subindo escadas
O sapato o pé sufocava, e em atrito ia arrancando camadas
Criando um ardido, uma vermelhidão, e depois um machucado
E então a meia de sangue se encharcava.

Basta um desconforto qualquer para o relógio começar a ficar lento.
Semanas correm mas o números não mudam
Os ponteiros vão impedindo a passagem do tempo.
Semanas correm e as feridas não curam
Aumentam e se enchem de sal.

Há o desespero de ir para casa e
Finalmente
Arrancar os sapatos
Atirá-los longe.
Examinar os buracos.

Mas os ônibus estão todos cheios
Ninguém ofereceu carona
Os taxistas passaram cegos
E terá de ir a pé.

Ironia:
O maldito sapato que deveria ser a separação
Entre a do pé e os cacos afiados do chão
Apunhala pelas costas.
Parece que qualquer medida de proteção é perigosa.

Finalmente em casa.
Com violência, tiramos os sapatos:
As meias estão limpas
Os calcanhares intactos.

E quanto todo esse sufoco
É mera exemplo
Para algo muito mais delicado?

E quando a própria pele é justa demais para o que oculta?

E quando o desconforto é provocado
Por um incessante fluxo de pensamentos aglomerados?

E quando não há feridas externas
Mas coisas que borbulham no sangue
E mesmo que invisíveis parecem eternas?

Não são os pés, nem os sapatos, nem os cacos de vidro.
São resultado de desespero contraído.

Desenvolve-se uma tortura assim nos corredores cheios de riso
Onde o único silêncio é o seu.
Nas casas onde o único resquício é uma grande montanha debaixo do tapete.
Nas quartos onde os carinhos são obrigatórios e são frios

Em todos os lugares onde a realidade tem que ser sempre maquiada;
Seja por sorrisos postiços ou por garrafa atrás de garrafa.

Acredito que é sim possível curar-se
Mesmo quando o corpo é o que estrangula o que quer que seja
É possível sim contrair felicidade e vomitar beleza.

Amar a sensação de sentir apenas e exclusivamente o pó e a rua pulsar debaixo dos pés.

Até a próxima!
Bezo

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