Poesia | Até aonde o ódio te levará?

 


Em seus olhos o que se via era o vazio escuro da dor de quem não sabe aonde o amor está.

Tristeza, ódio, rancor. Medo, angústia, ausência. Amargura, inveja, contenda. Vingança, maledicência, autocomiseração.

As curvas que circundavam sua face eram rudes, como se ali não houvesse a possibilidade de um pequeno sorriso, como se nunca tivesse havido a possibilidade de um esboço de paz.

Não havia dentes, nem brilho. Não se podia ver a luz ou a vida, nada além de gengivas e angústia. Cansaço.

Um corpo vazio de Deus, mas cheio de si. Seco.

Uma alma obscurecida da água da vida, isenta da brisa leve de uma nascente, mas refletida em mórbida e egoísta altivez. Sede diante do mar.

Sua voz, quando pronunciada, era um sussurro, semelhante ao vento e a terra unidos em súbita comoção, sujando tudo, dentes e boca, sufocando aquele grito de horror.

Sombria e medonha, andando sem direção como quem perece, se desfaz, mas firme, com seus ossos secos e pesados, depositando, pé ante pé, o fardo daquela morte.

Queda.

Com seus longos braços de fúria, incapaz de se dar conta de sua própria miséria, respirando poeira, comendo o chão, se arrastando no pó, a serpente em corpo de mulher resistia, sufocava, se feria.

Um grito mudo na garganta. Ressequida.

Por fim, sem mais nada além de si mesma e sua arrogante ira e inimizade contra Deus, deu-se por vencida.

Venceu-se a si mesma e ali pereceu.

Perdeu a si, aos outros. Perdeu o que havia de mais valor, ao alcance das mãos, o próprio Deus.

Ossos secos, em sua obstinação, nada lhes restava além de mais e mais secar. Inóspita.

Sua justiça própria corroeu então o que sobrou daquele corpo. Cegueira.

Sua vingança escorreu pelos olhos, em gotas de raiva e despudor.

Seu olhar, antes vazio de tudo, agora se enchia de indignação e raiva das mais vicerais.

Foi engolida, desolada, destruída por aquilo que mais amava: a si mesma.

Negou-se a verdade, rejeitou-se a paternidade.

Perdeu tudo e então achou o que procurava em si, mas com isso não teve mais para onde ir.

Nem vida com que se levantar. Sem forças, cedeu ao que lhe sobrava, levando tudo ao redor.

A aridez de sua alma levou-a ao deserto eterno e de lá nunca foi capaz de tornar.

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