"Entre Nós" | Vigília Noturna - Fernando Fiorin

Olá, meus amores leitores!
Como vão vocês? =)

Conversando com um amigo escritor sobre seu livro (que inclusive logo logo vai estar nas nossas resenhas e se chama Noites Londrinas), eu perguntei se não haveria um conto ou poema que ele gostaria de nos presentear. Fiorin, imediatamente, me enviou por e-mail esse conto que fala de um gato corajoso e muito esperto, que entrega sua vida à vigiar as noites em seu lar.

Eu adorei o texto e espero que vocês também gostem!
Boa leitura!


Vigília Noturna

Esse é o Thunder, gato inspiração do conto.

Thunder se sentia entediado.
Seu humano dormia a sono solto, roncando sonoramente e fazendo outros barulhos próprios de uma espécie que há muito não precisava mais se preocupar com os terrores que se escondiam na noite.
Enquanto isso o pequeno felino, enrolado em seu próprio corpo, fingia também estar em sono profundo, sabendo que mais cedo ou mais tarde ela apareceria.
Já fazia um tempo que ela visitava o seu humano.
Uma sombra densa, sem nome e de forma indefinida. Um ser que habitava o mundo dos sonâmbulos e dos despertos.
O que importava para Thunder era que a tal Sombra machucava o seu humano. Não fisicamente, pelo menos na maior parte do tempo. Apesar de que um momento ou outro ela o deixava com alguns roxos dos beliscões que parecia nutrir um prazer íntimo em provocar, a sua tortura favorita estava em sussurrar palavras de medo e dor.
Muitas noites o humano chorava e lamentava, se perdia em sonhos de tristeza e pesar. Muitas e muitas noites mal dormidas eram testemunhas do tipo de mal que o pobre humano estava condenado a passar.
Ou estaria se não tivesse perto de si um felino tão prestativo.
Thunder se afeiçoara ao seu humano desde muito pequeno. Ele se lembrava de muito pouco de quando era filhote e tinha outros irmãos. O que ficara marcado era que eles eram muitos e de repente era apenas ele. E logo a casa do seu novo humano.
No começo foi tudo muito assustador, com uma cachorra chamada Sif sempre interessada no que ele fazia. Mas isso não durou muito... no máximo um deixava o outro se alimentar de sua ração e aquilo parecia uma troca justa. Afinal ela sempre ganhava mais do que ele e quase nunca comia.
Ela também sentia a sombra, a vigiava de fora e latia para a mesma tentando a assustar.
Mas a pobre Sif não podia entrar na toca do humano, apenas Thunder tinha esse direito. E assim sendo acabou recaindo sobre seus ombros peludos a responsabilidade de proteger o seu novo lar.
De vez em quando ambos brigavam e até existia um tipo de camaradagem entre eles. Um jogo de gato e rato. A sombra gostava de tomar formas para instigar o pequeno Thunder. Roedores, baratas, aranhas, morcegos e outras criaturas que viviam sob a lua.
Porém o felino desistiu do jogo quando percebeu que aquilo era apenas uma distração.
Enquanto corria atrás de quimeras o verdadeiro inimigo drenava o seu humano, o infligia misérias e flagelos mil, sem um motivo maior do que o aparente deleite de sua lamuria e infelicidade.
Estava na hora daquilo parar.
E assim Thunder começara a passar as suas noites na toca do seu humano. Se fingindo de preguiçoso e desinteressado e mais de uma vez pegando a malfazeja sombra em fragrante. Ela era viscosa e escorregadia, fria e dissimulada. Mas as garras de Thunder eram afiadas, mais afiadas do que poderia se esperar de um felino.
Ele as afiara em muitas caçadas noturnas, em muitos terreiros tomados pelos picões e outras plantas rasteiras.
Toda vez que a sombra se aproximava sorrateira e traiçoeira, Thunder esperava até o último segundo antes de pular sobre ela. Ele não a acertava na maior parte do tempo, porém em alguns raros momentos ele a sentia sangrar, filamentos negros e grudentos, pedaços de piche dos pesadelos que inundavam a noite daquele lugar.
E às vezes ela revidava.
Mais de uma vez ela deixou marcas em Thunder, seus dentinhos eram afiados, como dentes de fadinhas devoradoras de dentes ou dos trolls que viviam debaixo das camas de crianças bagunceiras e gostavam de roer os seus pés. Toda vez que a sombra o mordia, Thunder sentia formar uma ferida profunda que demorava a cicatrizar.
Era um jogo perigoso, para ambos.
Naquela noite a vigília se estendia como já era costumeiro. Thunder tentava sentir o mundo com suas vibrissas e buscava ouvir o que a audição humana não seria capaz.
Ao longe, ao largo, ele sentiu o sutil rastejar que o informava da aproximação.
Thor, o cachorro chato que vivia o perseguindo e implorando para ser o seu amigo, tentava ser útil e latia com toda a força que podia para tentar espantá-la para longe da casa.
Sif nem mais tentava, ciente de que não poderia fazer nada para mudar aquela situação.
E assim cabia mais uma vez a Thunder salvar a vida do seu humano. Seu humano que lhe dava boa comida e água fresca, o acariciava todas as vezes que queria e pedia e que de vez em quando fazia brinquedos para lhe distrair. Ele merecia os seus cuidados e o seu amor.
Quando a respiração do humano mudou de ritmo e este começou a se remexer mais do que era comum, Thunder soube que chegara a hora.
Abriu um olho, apenas um fiapo e depois o outro.
Calculando mentalmente o momento ideal, esperou o tempo necessário e no tempo certo se moveu tão rápido quanto conseguia, suas garras chicotearam o ar viciado do quarto e algo frio e espesso e pegajoso escorreu pela sua pata, empapando um pouco embaixo de suas garras e nas almofadinhas.
O inimigo fugiu rapidamente pela fresta da janela, conjurando maldições e jurando palavras de vingança contra o felino, enquanto continha um uivo de ódio puro.
Thunder seguiu lambendo a pata, retirando os restos da sombra e das suas ameaças costumeiras. Naquela noite a vitória fora sua e ele sabia por uma experiência já longa que o resto da noite se passaria sem mais incidentes.
E assim Thunder seguiria até o dia seguinte e o seguinte e o seguinte.

Em sua eterna vigília nortuna.

Comentários

  1. Adorei!!! Como eles tomam conta de seus humanos!! E nós nem imaginamos! Por isso eles têm o sono tão leve: Para que nós, seus humanos, possamos dormir tranquilos!!

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