"Entre Nós" | Caçando na chuva - Fernando Fiorin
Olá, meus amores leitores!! <3
Como vão vocês?
Venho trazer hoje o último conto do nosso gato amado, o Thunder, do Fernando Fiorin. Esse é o terceiro da série e está incrível!
Espero que vocês amem e que logo o Thunder possa aparecer por aqui de novo! <3
Caçando na Chuva
Os pingos caíam gordos sobre os telhados, fazendo um som
cadenciado.
Thunder contava com aquilo, com o barulho da chuva que
caía, para realizar a caçada mais importante de suas sete vidas.
Seus pelos marrons, mesclados entre o claro e o escuro,
estavam grudados em seu corpo rechonchudo, todo encharcado com aquela água que
caía como se algum humano que morasse lá no céu tivesse resolvido que era hora
de afogar o mundo.
O seu rosto tinha um desenho de máscara preta emoldurando
seus olhos claros, que por sua vez eram incrivelmente sensíveis a pouca luz que
vinha das janelas de humanos que, aparentemente, iriam passar a noite em claro
fazendo as suas coisas de humanos. Para Thunder não eram de muita importância.
Poucos humanos importavam para ele, principalmente os que
ele considerava seu pai e sua mãe. Os humanos que cuidaram dele desde pequeno,
o alimentaram e o amaram, mesmo não sendo felinos também.
E seu pai já sofria demais por causa da Sombra, a
criatura que vinha quase todas as noites ao seu quarto e o atormentava, o
mordia na nuca e de vez em quando o balançava violentamente como se fosse um
brinquedo, um boneco velho de pano largado sem consideração em um canto escuro.
As patas de Thunder pisavam com cuidado pelos tijolos da
toca de humanos que, como sempre, estava abandonada e vazia.
Ele precisava aproveitar aquele momento. A Sombra sabia
que ele odiava se molhar, odiava estar debaixo daquele temporal e que, em sua
prepotência, ela (a Sombra) se considerava segura, enrolada em um poço escuro,
um ninho abandonado de corujas que ela espantou com a sua maldade e egoísmo.
Conforme avançava, Thunder sentia os picões grudando em
seu corpo. Era inevitável, aquelas coisas cresciam por todo o lugar, em todo o
terreno baldio e ficavam no caminho até o lar da Sombra.
Um pequeno preço a se pagar para se realizar um grande
feito.
O corpo de Thunder, mesmo maciço e grande para um felino
caçador, era flexível e talhado para aquilo. Ele seguia com a confiança que
apenas um felino poderia ter. A certeza de que, daquela vez, a caçada teria um
fim. O ar estava gelado e úmido, as gotas chegavam a machucar o seu corpo, mas
ele seguia irresoluto até a sua presa.
O buraco surgiu logo a sua frente, cavado em um pequeno
morro, de uma forma que apenas as corujas sabiam como fazer, para não deixar
que a água entrasse em suas tocas e matasse afogados os seus filhotes.
Thunder avançou contra o vento, circulando aquele espaço
elevado, sentindo as patas afundando na lama que escorria em pequenas cascatas
até a grama que ficava em volta do ninho usurpado e agora lar daquele ser
maligno e vil. O seu humano ficaria muito bravo quando voltasse para casa, mas
era o preço a se pagar naquele momento.
Ao chegar à entrada do covil, o pequeno felino sentiu a
respiração da Sombra, um ronco morno e sutil, que qualquer um provavelmente
confundiria com o som do vento.
A criatura quase chegava a roncar em um sono solto, possivelmente
segura de que estava imune do mundo a sua volta.
Para Thunder estava na hora de provar que ela estava
errada.
Sem pensar duas vezes, se caberia no lugar, se
conseguiria sair depois, se conseguiria sobreviver ao confronto, o felino se
enfiou com tudo na toca e avançou até que seu corpo robusto praticamente
tampasse a entrada.
Ele sentiu a Sombra se contorcer lá dentro, assustada,
sem entender o que se passava.
- Maldito, o que você faz aqui?
Thunder não se intimidou perante as palavras cuspidas
contra ele. A voz da criatura parecia atrair os trovões lá fora, tentando
colocar medo no coração do felino, mas ainda assim as suas garras avançaram no
pouco espaço que existia e rasgaram aquele corpo feito de pesadelos e tristeza.
O sangue viscoso corria negro em suas patas e a criatura
gritava de dor, buscando ela mesma cravar as suas garras e presas em seu
inimigo.
- Esse vai ser o seu fim, animal peludo e estúpido! Eu
vou devorar o seu coração ousado!
Sem se intimidar com aquelas palavras que, para um felino,
nada significavam, Thunder mais uma vez avançou e conseguiu segurar a cabeça da
criatura que, naquele momento, parecia uma centopeia de muitas pernas afiadas e
dentes que cobriam uma boca parecida com a de um tubarão.
Forçando-a para um lado, o pequeno felino viu o ponto
fraco, aquilo que buscava atingir já fazia muito tempo e que agora finalmente
teria a chance.
O coração negro e ressequido batia de forma débil debaixo
daquela pele oleosa e suja e era necessário muita força de vontade e coragem
para fazer o que se devia, uma proeza que seria contada por todos os felinos da
vizinhança, do mais gordo gato de madame até as gatas vira-latas que moravam na
rua ali ao lado.
Mordendo com toda a força que tinha, Thunder sentiu suas
presas rasgando aquela pele fina com gosto de bile e depois se fechando sobre o
órgão pulsante da criatura nefasta. Sentindo o fim se aproximar, a Sombra ainda
suplicou, mudando o seu tom de voz para algo mais como um chiado de uma presa
indefesa.
- Por favor, poderoso felino, não faça isso. Eu prometo
ser o seu servo daqui para frente. Realizar todos os seus desejos, lhe mostrar
aonde vivem os ratos mais gordos e as criaturas mais deliciosas para que você
possa sempre as caçar quando sentir vontade.
Thunder não se impressionou com a bajulação ou com o
suborno. O que o encantou foi o sentimento de superioridade e poder sobre o seu
inimigo.
Por um segundo o felino sentiu desejo de brincar com a
sua presa, a deixar acreditar que poderia sair viva e a ver cambalear por aí,
para então, na hora em que sentisse vontade, dar fim a sua vida.
Mas aquele era o jogo da Sombra, Thunder sabia muito bem.
Ela queria o ludibriar, o enganar para conseguir tempo, para fugir do seu
destino.
- Não faça isso, pequeno felino, por favor, nunca mais
machucarei o seu mestre.
A Sombra urrou quando o seu coração foi arrancado do
próprio corpo e deixado ao seu lado. Em seus olhos opacos, que iam ficando
embaçados conforme a vida a deixava, a última imagem que ficou foi a de um
felino agora do lado de fora da toca, lambendo a sua pata. Sua cabeça ouviu os
pensamentos daquele felino orgulhoso:
“Ele não é o meu
mestre. Ele é o meu humano.”
Ao constatar que a criatura estava irremediavelmente
morta, Thunder se deu por satisfeito e com o dever cumprido voltou para casa, na
qual esperava encontrar conforto e um lugar quente para dormir.
A janela estava fechada, como sempre o seu humano parecia
não se preocupar com a sua ausência. Era isso que ele ganhava por sair por aí e
caçar os piores seres da noite para aquele ser ingrato que se preocupava em ter
a sua toca molhada ao invés de se atentar em deixar o seu felino entrar quando
bem entendesse.
- Miau, miau, miau.
- Thunder, o que você está fazendo na chuva? Meu deus
cara, você tá todo molhado. Vem aqui.
O seu humano pegou um pedaço de pano que usava sempre
para se secar quando se molhava duas vezes por dia e passava aquelas coisas de perfume
estranho para esconder o próprio cheiro. Thunder nunca iria entender os
humanos, mas naquele momento estava tranquilo, estava seco e como brinde o seu
humano lhe deu petiscos.
Comentários
Postar um comentário